Posicionamento
Epidemiologista da UFPel rejeita honraria de Bolsonaro
César Victora, professor emérito da Universidade, justificou que não poderia compactuar com o "negacionismo" e "perseguição" do governo federal à ciência
O epidemiologista e pesquisador César Victora, professor emérito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), recusou a condecoração do grau de Grã Cruz da Ordem do Mérito Científico, concedida pelo governo federal nesta semana. Por meio de carta, o cientista usou como justificativa a postura do governo no combate à pandemia e o corte orçamentário à pesquisa científica no país.
Victora se disse dividido com a condecoração: de um lado, representa, segundo escrito em carta, o mais importante reconhecimento científico nacional; de outro, afirmou discordar do governo federal nas ações tomadas no combate à Covid-19 e aos cortes de verbas para as pesquisas.
"Enquanto cientista não consigo compactuar com a forma pela qual o negacionismo em geral, as perseguições a colegas cientistas e em especial os recentes cortes nos orçamentos federais para a ciência têm sido utilizados como ferramentas para retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade cientifica brasileira nas últimas décadas", escreveu o epidemiologista. O cientista vinculado à UFPel é comendador da Ordem do Mérito Científico, segundo maior grau, desde o ano de 2008.
A publicação no Diário Oficial da Unão assinada pelo presidente Jair Bolsonaro nesta semana gerou polêmica. Os títulos da Grã Cruz e de Comendador da Ordem do Mérito Científico são concedidos desde 2002 e os presidentes da República são condecorados por decreto. Além de a si mesmo, Bolsonaro homenageou os ministros da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, da Economia, Paulo Guedes, da Educação, Milton Ribeiro, e das Relações Internacionais, Carlos França.
Também foram condecorados 22 cientistas. Bolsonaro, no entanto, tornou sem efeito os méritos de Comendador de Adele Schwartz Benzaken, diretora da Fundação Oswaldo Cruz Amazônia, e de Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda, pesquisador da Fundação de Medicina Tropical "Doutor Heitor Vieira Dourado", pesquisadores publicamente atacados pelo presidente, dentre outros motivos, pela oposição ao uso da cloroquina contra a Covid-19.
O epidemiologista da UFPel citou os atos do presidente na carta publicada. "Escrevi o texto antes de ficar ciente de que as indicações de dois colegas cientistas com posições críticas ao governo federal foram tornadas sem efeito, conforme o Diário Oficial de 5 de novembro. Tal atitude somente reforça minha decisão de não aceitar a distinção a mim oferecida".
"A homenagem oferecida por um governo federal que não apenas ignora, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não me parece pertinente. Como cientista e epidemiologista, tenho tornado pública, através de palestras e artigos científicos, minha completa oposição à forma como a pandemia tem sido enfrentada por esse governo", escreveu Victora.
O ex-reitor da UFPel, doutor e professor em epidemiologia, Pedro Hallal, elogiou a decisão de Victora de rejeitar a ordem disposta por Bolsonaro. "A atitude do professor Cesar apenas reforça sua posição como um ídolo para todos nós. O Brasil precisa urgentemente ouvir mais as pessoas com a postura e com a carreira do Cesar e dar menos atenção àqueles com a postura e a carreira do Jair", disse.
Perfil
César Victora tem 52 anos e é natural de São Gabriel. Formou-se e especializou-se em Saúde Comunitária pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É PhD em Epidemiologia da Assistência Médica pela Escola de Higiene e Medicina Tropical da Universidade de Londres.
Além de professor emérito e coordenador do Centro Internacional de Equidade em Saúde pela UFPel, Victora, natural de São Gabriel, ocupa cargos honorários nas universidades de Harvard, Oxford e Johns Hopkins. Ele atua desde a década de 1970 nas áreas de saúde materno-infantil, coortes de nascimento, desigualdades em saúde e avaliação de impacto de programas de larga escala.
Victora é um dos responsáveis pelo desenvolvimento dos padrões internacionais de referência para o crescimento infantil da OMS. O epidemiologista coordenou e ajudou a definir a metodologia do estudo que deu origem às curvas de crescimento infantil, adotadas hoje em mais de 140 países.
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